Enfim, o bravo peito
acadêmico pôde soltar o grito de campeão. Todavia, assim como toda a trajetória
gloriosa da Associação Académica de Coimbra no desporto português, não sem
passar por momentos de suspiro e expectativa. Essas duas palavras resumem bem
no que se converteu o duelo entre Sporting e Acadêmica, que valeu a quebra de
um jejum de 73 anos sem conquistas da Taça por parte da Briosa, que havia
vencido a primeira edição do certame em 1939, e de 39 anos sem lograr nada para
seu palmarés, já que a última taça garantida pela representação da "Cidade
dos Estudantes" havia sido a Liga de Honra da Temporada 1972/73.
Foto do plantel da Académica Campeão de Portugal em 1939
Antes mesmo de o
esférico rolar sobre o relvado do mítico Estádio do Jamor, o clima de tensão já
tomava conta de Portugal: de um lado, um Sporting sofrido, desfigurado por suas
últimas fracas campanhas em nível nacional, mas motivado pelo honrado quarto
posto na Liga Europa e pela ascensão dos homens de Sá Pinto, simbolizados pela
figura de Wolfswinkel, grande símbolo da esquadra leonina; do outro, a “mais
Briosa de Portugal”, que apostava na decisão a esperança de alento a seus
torcedores não só numa temporada, mas também em toda a década. O modesto 13º
lugar na Liga Portuguesa retratava um ano de altos e baixos para a alvinegra,
tendo como consolo a garantia de vaga nas competições europeias graças à
desistência de outras equipes do 1º escalão nacional.
Conhecida por sua consciência política e caráter contestatório, massa de adeptos da Briosa protesta durante Final da Taça de Portugal
Mal o apito de Paulo
Baptista havia soado pela primeira vez no histórico gramado de Oeiras, a maior
emoção do confronto fazia palpitar de maneira incondicional o coração dos
adeptos da Académica: numa rápida escapada pelo flanco esquerdo, Diogo Valente,
encarnando o espírito dos desbravadores lusitanos, levou toda a defensiva
sportinguista e cruzou de maneira certeira para Marinho, com um toque, escrever
seu nome na história da equipe coimbrã: cabeçada precisa, indefensável para Rui
Patrício. O balançar das redes era um mero eco da comemoração incontida dos
“capas pretas” no Jamor e o placar já apontada o histórico Briosa 1-0.
Exato instante em que o esférico encontrava as redes de Rui Patrício, num dos gols mais importantes da história da Associação Académica de Coimbra
Após sofrer o gol,
um estado de letargia pairou sobre os leões, que não conseguiam se encontrar e
viram a Briosa chegar mais uma vez com perigo no cabeceio de Edinho. Alguns
minutos depois, porém, consciente da necessidade do empate para evitar uma
derrota inesperada, os jogadores leoninos partiram ao ataque, tendo como grande
expoente no primeiro tempo a cabeçada de Elias defendida sem maiores esforços
por parte de Ricardo. Aos 46 minutos, encerrava-se o primeiro tempo, com a
certeza de que, caso o Sporting repetisse a atuação da etapa inicial no período
complementar, dias de júbilo e festa estarão próximos para os adeptos de
Coimbra.
Jogadores, comissão técnica e diretoria comemoram ao lado da almejada taça
Depois do descanso,
a equipe de Pedro Emanuel quase consegue sacramentar a vitória num rápido
contra-ataque, que pôs Edinho frente a frente com o arqueiro Rui Patrício. No
duelo de duas grandes figuras da Final, melhor para o arqueiro alviverde, que
evitou o tento numa saída arriscada e precisa. Três minutos depois, o coração
dos adeptos da Briosa era testado mais uma vez, quando Edinho falha
bisonhamente na conclusão daquele que seria o tento consagrador dos homens de
preto.
Eis os 11 homens que entrarão para a história da Briosa, como titulares na partida mais importante da AAC no Século XXI
O castigo, como
historicamente ocorre às equipes de menor expressão no desporto luso, viria “a
galope”: no minuto seguinte, Wolfswinkel, grande esperança de gols do quadro
lisboeta, sai na cara do arqueiro Ricardo, que conta com a iluminação divina e
uma boa dose de competência para barrar a ida do esférico ao gol com o pé. A
partir daí, a partida se transformou num duelo de “ataque contra defesa”, com
os homens do Sporting partindo sedentos em busca da vitória, enquanto os
“acadêmicos”, como que dotados de uma força sobrenatural, defendiam sua
cidadela que parecia instransponível aos rivais.
Confira o histórico gol de Marinho que valeu a taça à Briosa
E, de fato, até o
apito final de Paulo Baptista, as redes da Acadêmica, abençoadas, não foram
tremuladas em nenhuma oportunidade, comprovando o caráter intransponível de sua
defensiva. Como que por um capricho do destino, a ânsia dos adeptos
sportinguistas, que tanto proclamaram a vitória precoce na decisão, com gritos
de “Segunda Divisão” a poucas semanas aos adeptos de Coimbra, teve que ser
convertida num choro amargo, com sabor a decepção. Não havia, porém, espaço
para lamentos no Jamor: a tristeza e euforia de uma das torcidas mais sofridas
do mundo estavam sendo convertidas em risos e gritos de comemoração. Um grito apenas ecoava: “Académica Campeã!”.
Ouça o hino da Associação Académica de Coimbra, Campeã da Taça de Portugal 2011/12. Parabéns Briosa!
A festa que se
seguiu pelas ruas de Lisboa e no trajeto até a cidade universitária de Coimbra
teve as proporções do “jejum” de conquistas da alvinegra. Todavia, o título da
Taça logrado pela Briosa tem um “quê” de especial, diferentemente do que seria
se fosse conquistado por Benfica, Sporting ou Porto, pois reflete todo o
espírito de luta de uma massa estudantil que almeja, em seus ideais, um novo
Portugal. Reflete o senso crítico de uma equipe que, a exemplo de 1969, bradou
as necessidades de um país sufocado pelo seu caráter nostálgico e por uma falta
de perspectiva que aflige toda a Europa. Acima de tudo, reflete o brilho máximo
de uma cidade que formou inúmeras gerações intelectuais de destaque no mundo,
com suas descobertas, opiniões ou, simplesmente, modo de agir. De tantas formas
poderíamos encerrar essa matéria, com tantas frases de efeito... mas nenhuma
resume esse histórico feito da Briosa como as proferidas pela imortal Amália na
canção que imortalizou a cidade-berço desta Associação Gloriosa: “Coimbra das canções/Coimbra que nos põe/ Os
nossos corações à luz.../ Coimbra dos Doutores/ Pra nós os seus cantores/A
fonte dos amores és tu.”
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